it don´t mean a thing if it ain´t got that swing. duke ellington

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quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Matadouro

O matadouro depende da religião no sentido em que templos de épocas recuadas (sem falar dos hindus dos nossos dias) tinham uma utilização dupla, servindo ao mesmo tempo para implorativas preces e matanças. Disto resulta, sem dúvida nenhuma (podemos julgá-lo a partir do aspecto caótico dos matadouros actuais), uma perturbante coincidência entre mistérios mitológicos e a grandeza lúgrubre, característica dos lugares onde o sangue corre. É curioso ver um lancinante queixume exprimir-se na América: quando W. B. Seabrook verifica que a vida orgíaca subsistiu mas o sangue dos sacrifícios não se mistura aos cocktails, e acha os costumes actuais insípidos.

Realmente, nos dias de hoje o matadouro é maldito e posto de quarentena como um barco que transporta cólera. Ora, as vítimas desta maldição não são os carniceiros nem os animais mas as boas criaturas que chegaram ao ponto de não poder suportar a sua asseada fealdade, com efeito uma fealdade que responde a uma necessidade malsã de limpeza, de biliosa pequenez e tédio: a maldição (que só aterroriza quem a profere) leva-as a vegetar o mais longe possível dos matadouros, a exilar-se por correcção num mundo amorfo onde já nada existe de horrível e onde elas se encontram reduzidas, ao sofrer a indelével obsessão da ignomínia, a comer queijo.


(Bataille, in A Mutilação Sacrificial e A Orelha Cortada de Van Gogh, ed. Hiena, 1994)

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